quinta-feira, dezembro 08, 2005

Primeiro.

Os passos soavam, ansiosos, pela rua pintada de escuridão, não se avistava nada para além dele próprio, dos carros estacionados em fila indiana, dos prédios adormecidos em solidão, altos, infinitos, cada vez mais sombrios a cada esquina, que, avidamente fazia, como se o fim o perseguisse desenfreadamente. A marcha era cada vez mais apressada, mais demente, mais cega e furiosa, correndo sabe-se lá contra quem, ou de quem, de si mesmo, ou da sua única transgressão, que, enfim, pior do que qualquer outra, era não ser ele, e ser quem não é, nem nunca teria hipótese alguma de ser, de ser a sua própria ilusão, e no final, a sua própria sentença. Absorto em pensamentos de cólera, não deu pelo corpo defunto que o fez tropeçar, abruptamente, dando uma tortuosa queda pelo chão frio e desleixado.
Aterrorizado, pelo corte súbito de ar nos pulmões, pelo som doente da sua respiração, parou. Por muito grande que fosse o esforço, os olhos enfermos não viam nada, tal não era a mórbida surpresa, nada, apenas escuro, apenas silêncio, nada, apenas a sua própria pessoa, ali, estendido no chão, combalido por um choque qualquer, derrotado, dando carta branca ao destino para que o levasse, até lado nenhum.


Mariana d’As Luas de Júpiter