quinta-feira, dezembro 29, 2005

Visível, ou quase.

Serve-me o tempo, acabado de sair do fogo, deslumbrante e tremendo, e diz, em voz acabrunhada, de quem receia o tracejado latejante do grande alcatrão, que, inevitavelmente, se fazia apresentar pela frente, tem calma. Senta-se em jeito de descanso, demorando as pernas mais do que seria preciso, e de facto, nada mais seria necessário, apenas paciência, essa paz com ciência de que tanto falam, e no final, ouviu-se, em várias freguesias, a boa nova.
A rapariga foi aclamada.


Mariana d’As Luas de Júpiter

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Latan. (Do latim inverso)

Senta-se, sobre o passeio repugnante, sujeitando as calças a um frio atordoador. Passa-se ali natal, ou época natalícia, que faz tantos seres necessitarem de ar, observa-os com mais atenção; Todos, sem excepção, coitados, parecem padecer de falta de paz, falta de concórdia e conformidade, a avaliar pelos embrulhos, enfim, também padecem de falta de capital, esse nobre valor que ainda faz, embora defeituosamente, mover o homo sapiens, erguendo neles o sabor consumista para que, com tristeza, nasceram. A ponta dos ténis dá de si. Os cordões, apertados por natureza, respiram pó. Permanece por entre aquela multidão cega, uma pálida névoa de saber, saber ser, saber ver.

Mariana d’As Luas de Júpiter

quinta-feira, dezembro 15, 2005

Ponto.

Quando já não se vazia ver, deitou-se, meditando sobre a fadiga, para jamais lhe devolver a fala.


Mariana d’As Luas de Júpiter

domingo, dezembro 11, 2005

Batimentos; Latejos; Choque.

O tempo esconde-se atrás das lentes, pequenas e mirradas, atrás do sol que se faz, desnecessariamente quente. Ergue a massa corporal, cheio de uma inércia muda, que o faz narrar palavras, conjugadas em simultâneo com quantidade absurda de saliva, que dispõe para uma boa dicção, embora mentirosa, falaciosa. Não obstante, de acordo com a sua própria filosofia fraudulenta, sujeita o pequeno pedaço de luz, relutante, a uma impiedosa mágoa, que, mais tarde ou mais cedo, levará tudo o que lhe resta ao precipício que se avizinha, sem que o mortal se dê conta. Choca de frente com a sua reflexão, desmentindo o mau gosto do seu batimento peitoral, acelerado.
Sabes quem sou. Sabes que, no fim, tudo se conjectura.


Mariana d’As Luas de Júpiter

sábado, dezembro 10, 2005

Estepes; Ser.

Tem um paladar requintado, fino, sublime. Não lhe chegará, jamais, o débil madrugar, nem o carregado escurecer, nem tão pouco o sem sabor das palavras, velhacas, conflituosas. Procura, com insistência, o doce sinónimo daquilo a que, irresponsavelmente, chama ser, e apelida de coisa alguma o substancialmente nobre, o essencialmente verdadeiro.
Negação; Hoje não há pó excessivamente leve, nem dor de alma, e tudo o que vive, são testemunhas do seu refúgio.
É um Lobo das Estepes.

Mariana d’As Luas de Júpiter

quinta-feira, dezembro 08, 2005

Primeiro.

Os passos soavam, ansiosos, pela rua pintada de escuridão, não se avistava nada para além dele próprio, dos carros estacionados em fila indiana, dos prédios adormecidos em solidão, altos, infinitos, cada vez mais sombrios a cada esquina, que, avidamente fazia, como se o fim o perseguisse desenfreadamente. A marcha era cada vez mais apressada, mais demente, mais cega e furiosa, correndo sabe-se lá contra quem, ou de quem, de si mesmo, ou da sua única transgressão, que, enfim, pior do que qualquer outra, era não ser ele, e ser quem não é, nem nunca teria hipótese alguma de ser, de ser a sua própria ilusão, e no final, a sua própria sentença. Absorto em pensamentos de cólera, não deu pelo corpo defunto que o fez tropeçar, abruptamente, dando uma tortuosa queda pelo chão frio e desleixado.
Aterrorizado, pelo corte súbito de ar nos pulmões, pelo som doente da sua respiração, parou. Por muito grande que fosse o esforço, os olhos enfermos não viam nada, tal não era a mórbida surpresa, nada, apenas escuro, apenas silêncio, nada, apenas a sua própria pessoa, ali, estendido no chão, combalido por um choque qualquer, derrotado, dando carta branca ao destino para que o levasse, até lado nenhum.


Mariana d’As Luas de Júpiter

domingo, dezembro 04, 2005

Manifesto matinal.

Não pensa em nada, apenas que é ímpar. Singular; adormece em torno do seu pensamento, absorto em invulgares sentimentos, ausente, em torno da sua pessoa.


Mariana d’As Luas de Júpiter.

sábado, dezembro 03, 2005

Rasurado.

Luzes, som. Conversas descabidas. Entorno a chávena do café bem por cima da toalha mal lavada, as minhas palavras sabem a café, um pouco mais, quem sabe, um pouco de vinho, alegrias, as angústias de quem me serve, os paradeiros desconhecidos daqueles que não contemplo, a um cigarro mal apagado no cinzeiro que incomoda, deveras. Destituído do seu cargo, continua, aceso, mal pensante e quase tentador, a ameaçar bocas alheias. Sabes do que falo, é sempre igual, expresso, exagerado, demasiado veloz, enfim, para os teus lábios.


Mariana d’As Luas de Júpiter, expresso.